sábado, 8 de dezembro de 2012

O DIVORCIADO , SALVAÇÃO DA CRISE MUNDIAL










     UM POR TODOS




                                                          Martha Medeiros





Recessão é a palavra da moda. Não se fala emoutra coisa na Rússia e na Europa, na Ásia e no Brasil. Os motivos da bancarrota são, entre outros, a economia globalizada, o efeito dominó e a alta taxa de juros. Mas o maior vilão desse desaquecimento da economia e da falta de empregos é o casamento. Faça as contas: são duas pessoas consumindo por uma. Duas pessoas e um aluguel, duas pess
oas e um fogão, duaspessoas usando o mesmo desodorante, a mesma pasta de dente. Desaceleração total da produção. Casais, além disso, saem menos à noite, vão menos à boates, bebem menos, quase não ligam pra moda, divertem-se dentro de casa. Casais só sustentam as locadoras de vídeo, o que não basta para desenvolver uma nação. É preciso que se divorciem imediatamente. O divorciado, sim, mete a mão na carteira. Em primeiro lugar, precisa formar um novo lar, salvando da crise o mercado imobiliário e o varejo. Além de alugar um quarto-e-sala, terá que comprar, no mínimo, uma cama, um colchão, uma tevê, uma geladeira e um som, além de copos, talheres e um abridor. Uma toalha de banho e um jogo de lençóis também são imprescindíveis. Recomeçar não sai barato. Aos poucos, o divorciado vai sentir saudades dos discos e dos livros que, na pressa de sair, deixou na antiga casa. Compra tudo de novo. Está salva a cultura do país. Mas ele está triste, é natural. Acaba de terminar um relacionamento, não quer ficar sozinho. Resultado:percorre todas as cervejarias, boates e bares da cidade, em busca de companhia e bebendo pra esquecer. Reencontra velhos amigos. E velhas amigas. Volta para a casa às seis da manhã.Passa a madrugada gastando. Divorciado fala mais no telefone. Divorciado precisa fazer uma nova assinatura de jornal. Divorciado passa mais horas na Internet. Fuma mais. Compra maisroupa. Faz terapia. Come fora. Gasta mais combustível. Divorciado é uma caixa registradora ambulante, ajudando a aquecer a indústria e o comércio e facilitando a vida dos bancos, já queusa mais o cartão e entra mais no cheque especial. Se todos se divorciassem, não haveriam desempregados e o mundo estaria longe de falir.
É uma constatação, não uma sugestão. Ainda acho preferível um mundo carente de lucros do que carente de amor. 


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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

NÃO CONTE PRA NINGUÉM - CORA CORALINA





NÃO CONTE PRA NINGUÉM

Cora Coralina

Eu sou a velha
mais bonita de Goiás.
Namoro a lua.
Namoro as estrelas.
Me dou bem
com o rio Vermelho.
Tenho segredo
com os morros
que não é de adivinhá.

Sou do beco do Mingu,
sou do larguinho
do Rintintim.

Tenho um amor
que me espera
na rua da Machorra,
outro no Campo da Forca.
Gosto dessa rua
desde o tempo do bioco
e do batuque.

Já andei no Chupa Osso.
Saí lá no Zé Mole.
Procuro enterro de ouro.
Vou subir o Canta Galo
com dez roteiros na mão.

Se você quiser, moço,
vem comigo:
vamos caçar esse ouro,
vamos fazer água - loucos
no Poço da Carioca,
sair debaixo das pontes,
dar que falar
às bocas de Goiás.

Já bebi água de rio
na concha da minha mão.
Fui velha quando era moça.
Tenho a idade de meus versos.
Acho que assim fica bem.
Sou velha namoradeira.
Lancei a rede na lua,
ando catando estrelas.
 
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sábado, 1 de dezembro de 2012

SINTO SAUDADES...




SAUDADES ...

Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...

Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...

...
Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!

Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!

Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!

Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!

Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.

Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...

Clarice Lispector .
 
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